O cristianismo vem crescendo na China há décadas. Estimativas predizem que a China pode se tornar o maior país cristão do mundo até 2030 com cerca de 247 milhões de fieis, passando o Brasil e os Estados Unidos. Mas o governo chinês vê o crescimento religioso dessa minoria como uma ameaça a supremacia política do Partido Comunista Chinês (PCC). Segundo um relatório do Pew Research Center, o número de cristãos já passou o número de filiados ao Partido. Por isso, ele vem estabelecendo medidas cada vez mais duras contra os cristãos no país.
Após a Revolução Chinesa em 1953, aconteceu um período de grande repressão no país. Missionários foram expulsos, acusados de propagarem o imperialismo. Posteriormente, em 1966, o presidente Tse-Tung proibiu todas as religiões. E foi só em 1979 que o governo voltou a permitir cinco religiões baixo sua supervisão: budismo, taoísmo, islamismo, catolicismo e protestantismo. Mas diversas restrições permaneceram, e ganharam novas cores com o passar dos anos.
As formas de perseguição
1. Igrejas devem se submeter ao governo
Todas as igrejas evangélicas devem ser registradas sob as bandeiras do Movimento Patriótico das Três Autonomias (MPTA) e do Conselho Cristão da China (CCC), ligados aos governos provinciais e municipais. Estes órgãos têm poder de banir pregações de textos bíblicos, que devem ser entregues para revisão antes de serem pregados, e de regular as atividades de evangelismo. Por causa das restrições, quando o governo começou a reprimir os cristãos na década de 50, os fiéis passaram a se reunir em casas, apartamentos e fundos de restaurantes. Essas Igrejas não registradas são organizadas em múltiplas redes informais conhecidas como “igrejas subterrâneas” ou “igrejas domésticas”. E os cristãos se reúnem ilegalmente nelas para ter liberdade de culto.
2. Igrejas de chineses para chineses
Uma das regras estabelecidas pelo governo é que os ministros devem ser chineses. O que significa que missionários não podem entrar no país e que o trabalho é feito em sua maioria pelos próprios chineses. Mas alguns cristãos que entraram com visto de trabalho podiam frequentar cultos no país. Esta tolerância, entretanto, tem diminuído nos últimos anos. Centenas de trabalhadores cristãos estrangeiros deixaram a China, quer por decisão oficial ou por escolha, já que ficou claro que eles não poderiam continuar seu trabalho. E a vigilância tem ficado cada vez maior nos últimos anos.
3. Bíblias só podem ser vendidas em livrarias aprovadas pelo governo
O portal Christianity Today esclarece que de todas as religiões permitidas pelo governo chinês, o cristianismo é a única que possui a venda de seu livro sagrado restringida. Só uma editora pode imprimir a Bíblia, e ela só pode ser vendida em livrarias de igrejas autorizadas. Muitas Bíblias são vendidas clandestinamente sem os códigos de barras para burlar essa limitação. Mas mesmo isso não garante a paz das igrejas. Segundo um pastor relatou à Associated Press, representantes do governo invadiram a sua igreja a fim de recolher itens como cruzes, bíblias e mobília. E tudo foi queimado, como pode ser visto na foto abaixo.
4. Bíblias não podem ser mais vendidas pela internet
A internet chinesa é altamente controlada pelo governo. Nem Google, nem Facebook, nem Whatsapp podem funcionar no país. Mas, apesar da limitação de vendas de Bíblias em lojas físicas, muitos sites como a Amazon chinesa vendiam as Escrituras online até pouco tempo atrás.
Isso mudou em 2018. De uma hora pra outra, nenhum dos grandes sites de venda do país mostravam resultados na busca por Bíblias. A restrição aconteceu dois dias depois que o governo chinês divulgou um documento dizendo que as comunidades religiosas ‘deveriam praticar os valores centrais do socialismo, desenvolver e expandir a tradição chinesa e explorar as práticas religiosas de acordo com o contexto social chinês’. Há ainda, outras restrições online: imagens de orações e palavras religiosas são proibidas e previamente censuradas. Entre outras.
5. Reescrevendo a Bíblia para deixar ela ‘mais chinesa’
A China pretende reescrever partes da Bíblia e até mesmo inserir ensinamentos de religiões populares no país dentro do texto bíblico. A intenção é publicar uma nova tradução da Bíblia que esteja de acordo com ‘uma teologia chinesa’. Em documento oficial, o governo explica que: “a persistência na Sinicização das religiões em nosso país é guiada pelos valores centrais do socialismo, promovendo as excelentes tradições da nação chinesa, e nutrindo conceitos de unidade, progresso, paz e tolerância”. O projeto de cinco anos iniciado em 2018, além de contar com a proposta de uma nova versão da Bíblia, conta também com a inserção de músicas partidárias nos cultos e a reforma de templos de acordo com uma arquitetura chinesa.
6. Trocando imagens de Jesus pela foto de Xi Jinping
Centenas de igrejas, principalmente pelo interior do país, tem substituído as imagens de Jesus por fotos do Secretário-geral do Partido Comunista, Xi Jinping. De acordo com o South China Morning Post, Qi Yan, o presidente de uma das assembleias locais, teria dito que “muitos camponeses são ignorantes, acreditam que Deus é seu salvador, mas depois do trabalho dos líderes se darão conta dos seus erros e verão que já não devem apoiar-se em Jesus, mas no Partido Comunista.”
7. Religião é proibida para membros do Partido Comunista
A China é um país com um sistema de governo unipartidário. O que significa que apenas o Partido Comunista Chinês pode existir sob a justificativa de ser o único que defende o interesse do povo chinês. E uma das regras do partido é que todos os membros devem renunciar a religião e ser ateus.
Como foi divulgado pelo Independent, as pessoas que queiram participar do partido tem seu histórico religioso checado e devem renunciar a crenças para entrar na organização. Em suma, isso significa que os cristãos não podem ter participação direta na mudança de leis religiosas nem no serviço público no país. O que aumenta ainda mais o ciclo de exclusão.
8. Derrubando igrejas, cruzes e imagens
Uma das formas de remover simbolicamente a presença cristã do país é removendo cruzes e imagens. Se estima que mais de duas mil cruzes foram retiradas de igrejas apenas na província de Zhejiang. Imagens também são removidas de templos, mesmo os registrados sob o Partido. E além disso, o governo tem colocado cada vez mais câmeras em Igrejas sob a justificativa de ‘combater o terrorismo’. As igrejas que desafiam esta ordem tem sido fechadas totalmente. E algumas foram totalmente derrubadas. O ‘terrorismo’ tem sido também uma justificativa do governo chinês para subjugar Hong Kong e outras minorias no país.
Um relatório do governo dos Estados Unidos aponta que centenas de Igrejas foram fechadas na China nos últimos anos. Inclusive a maior igreja não-oficial do país, a Igreja de Sião em Pequim, que tinha mais de mil membros.
9. Igrejas são proibidas de receber doações
Mesmo se uma igreja estiver trabalhando com obra social e quiser trabalhar no alívio de desastres, ela não pode receber doações do exterior. Se um estrangeiro tentar fazer isso, a igreja é punida. E se um chinês tentar fazer doações muito altas (acima de 100 mil ienes ou cerca de 5 mil reais), ele precisa avisar às autoridades. Que podem, ou não, aprovar aquela quantia.
10. O caso do pastor Wang Yi
O caso do pastor Wang Yi ilustra bem a perseguição operada no país. Ele era líder de uma congregação fora da denominação oficial do país fundada em 2005 na cidade de Chengdu. E ela era uma das maiores ‘igrejas clandestinas’ do local quando as autoridades entraram na igreja e detiveram ao pastor juntamente a dezenas de outros líderes, inclusive a sua esposa. Em uma declaração divulgada pela igreja, Wang disse: “Firmemente acredito que Cristo me chamou para sofrer essa desobediência fiel através de uma vida de serviço, sob um regime que se opõe ao evangelho e persegue a igreja”.
Em dezembro do ano passado, meses depois do ocorrido, ele foi condenado a 9 anos de prisão. Além de perder direitos políticos por três anos e ter que pagar uma multa compensatória.
Uma esperança: Quanto mais a China cresce, mais o evangelho avança
Apesar de que missionários estrangeiros não podem ser ministros no país, essa restrição tem ocasionado dois fenômenos interessantes. O primeiro deles é que, quanto mais os chineses viajam e entram em contato com outros países, mais eles conhecem a Cristo. Muitos deles são evangelizados na África, por exemplo, onde o governo chinês realiza diversas obras de infraestrutura. E posteriormente, quando voltam ao país, eles pregam para cada vez mais pessoas.
Ao mesmo tempo, os chineses têm começado a evangelizar em outros países, aproveitando a maior participação chinesa em países fechados ao cristianismo, como meio de evangelizar. Dessa forma, a China está paulatinamente se tornando um celeiro missionário para o mundo. Mas o governo chinês tem medo de que isso termine levando ao rompimento das relações entre o país e nações islâmicas. Enquanto isso, o evangelho de Cristo avança mesmo em meio a perseguição por meios misteriosos.
Atualmente, a China aparece no 23º lugar no Ranking de Perseguição ao cristianismo divulgado anualmente pelo Portas Abertas.