A assustadora profecia de C. S. Lewis sobre um mundo de relativismo moral

Em uma era marcada por polarização ideológica e individualismo exacerbado, as palavras de C. S. Lewis, escritas há mais de sete décadas, ecoam com uma clareza perturbadora. Seu tratado filosófico “A Abolição do Homem” não apenas critica o relativismo moral de sua época, mas também prevê, com assustadora precisão, os desafios éticos e sociais que enfrentamos hoje.

O problema do relativismo

O relativismo moral, alvo central da crítica de Lewis, é a crença de que não existem valores morais universais ou absolutos. Segundo esta filosofia, o certo e o errado são relativos a cada indivíduo, cultura ou sociedade. Lewis viu nesta tendência uma ameaça não apenas à educação, mas à própria essência do que significa ser humano.

A gênese de “A Abolição do Homem” está intimamente ligada à experiência de Lewis como professor. O livro surgiu como uma resposta direta a um livro didático que ele recebeu, apelidado de ‘O livro verde’, destinado ao ensino da língua inglesa. Lewis ficou alarmado com o conteúdo deste livro, que sob o pretexto de estimular o pensamento crítico, estava na verdade promovendo uma visão relativista da moralidade.

Lewis escreve:

“Até este momento, o menino que lê o livro não suspeitava que ‘isso é sublime’ pudesse significar qualquer outra coisa senão ‘isso é grandioso’. […] A transição do ‘isso é sublime’ para ‘tenho sentimentos sublimes’ é tão sutil que o menino provavelmente não percebe o que está acontecendo com ele.”

Esta passagem ilustra como o relativismo pode se infiltrar sutilmente no pensamento, ao afirmar que nossas afirmações sobre o mundo não são nada mais do que aquilo que nós sentimos sobre as coisas, minando a crença em valores objetivos.

O que é o Tao?

Para contrapor o relativismo, Lewis introduz o conceito de “Tao”, que representa a lei moral natural, um conjunto de valores e princípios universais que existem independentemente da vontade humana. O Tao, segundo Lewis, pode ser encontrado em todas as grandes tradições morais e religiosas do mundo.

Em “Cristianismo puro e simples“, Lewis expande essa idéia, argumentando que a existência de uma lei moral universal é evidência de um legislador moral divino:

“Se houvesse uma força controladora fora do universo, ela não poderia se apresentar a nós como um dos fatos dentro do universo – não mais do que o arquiteto de uma casa poderia ser uma parede ou escada ou lareira naquela casa. A única maneira pela qual poderíamos esperar que ela se mostrasse seria dentro de nós como uma influência ou um comando tentando nos fazer nos comportar de certa maneira.”

Um mundo de “homens sem peito”

Lewis argumenta que, ao negar a existência do Tao, o relativismo moral leva à criação do que ele chama de “homens sem peito”. Esta metáfora representa indivíduos desprovidos de sentimentos morais adequados, educados para valorizar apenas o intelecto (“a cabeça”) e os apetites (“o estômago”), em detrimento das emoções morais (“o peito”). Mas com isso, as pessoas não tem mais a capacidade de regular as suas escolhas pois todas elas ou derivam de alguma lógica utilitária ou de algum impulso natural. Lewis adverte:

“Podemos criar Homens sem Peito e esperar deles virtude e empreendimento. Rimos do conceito de honra e ficamos chocados ao descobrir traidores em nosso meio. Castramos e depois ordenamos aos castrados que sejam fecundos.”

Na sociedade atual, podemos observar muitos exemplos desta condição “sem peito” que Lewis previu. Vemos isso na normalização de comportamentos antiéticos em nome do sucesso pessoal, na indiferença generalizada diante do sofrimento alheio, na erosão de valores como honestidade e integridade na vida pública, e na tendência de reduzir todas as questões morais a meras preferências pessoais.

As consequências do abandono da moral objetiva

Lewis previa vários problemas para uma sociedade que abandona a moral objetiva, incluindo a perda do sentido de propósito e dignidade humana, a redução do ser humano a um mero objeto de experimentação, e a vulnerabilidade a ideologias totalitárias. Ele argumentava que, sem um fundamento moral comum, a própria noção de progresso moral se torna incoerente.

“Se o bom é apenas o que uma comunidade aprova”, escreve Lewis, “já é sem sentido tentar que uma comunidade aprove um código moral em vez de outro.”

Ele usa como exemplo a condenação que fazemos às práticas nazistas, que não fariam sentido se não houvesse algum tipo de absoluto moral para o qual todos pudéssemos recorrer. Já em “O peso da glória“, Lewis aborda as implicações eternas de nossas escolhas morais:

“Não existem pessoas comuns. Você nunca falou com um mero mortal. Nações, culturas, artes, civilizações – estas são mortais, e sua vida é para nós como a vida de um mosquito. Mas é com imortais que brincamos, trabalhamos, nos casamos, desprezamos e exploramos – horrores imortais ou esplendores eternos.”

A profecia de Lewis

A relevância das ideias de Lewis para a sociedade contemporânea é inegável. Vivemos em uma era marcada por polarização extrema, fragmentação da informação, proliferação de discursos de ódio e relativização de valores fundamentais. Neste contexto, o alerta de Lewis sobre os perigos do relativismo moral soa mais atual do que nunca. Sua previsão de uma sociedade fragmentada, desprovida de um norte moral comum, parece ter se concretizado em muitos aspectos.

Lewis nos convida a refletir sobre a importância de valores universais como a dignidade humana, a justiça e a compaixão. Em um mundo cada vez mais complexo e interconectado, a busca por um fundamento moral comum torna-se não apenas desejável, mas essencial para nossa sobrevivência como espécie.

Conclusão

A profecia de Lewis não é um destino inevitável, mas um alerta. Como ele escreve em “O problema da dor“:

“O que chamamos de Homem é um ser em transformação, não um ser acabado. Ele é um embrião, um esboço… Mas não há como garantir que evoluiremos ou que sobreviveremos. Não podemos tomar a evolução como uma garantia.”

Cabe a nós, como sociedade, decidir se queremos um futuro guiado por valores morais objetivos ou se continuaremos no caminho do relativismo que, segundo Lewis, leva à “abolição do homem”.

Em “Os quatro amores“, Lewis nos lembra da importância do amor e da compaixão como fundamentos morais:

“Amar de qualquer modo é ser vulnerável. Ame qualquer coisa, e seu coração certamente será retorcido e possivelmente partido. Se você quer ter certeza de mantê-lo intacto, não deve dar seu coração a ninguém, nem mesmo a um animal.”

Estas palavras nos convidam a abraçar nossa humanidade plena, incluindo nossa capacidade de sentir e agir moralmente, mesmo diante dos desafios e vulnerabilidades que isso implica. O legado de C.S. Lewis continua a nos desafiar a buscar uma base moral sólida em um mundo cada vez mais relativista.

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