Lutero nasceu numa cultura eclesiástica que celebrava o trabalho religioso acima de tudo. No final da Idade Média, se considerava que apenas sacerdotes e outros funcionários da Igreja tinham ‘chamados’ e ‘vocações’ especiais.
Cada trabalhador que vivia fora disso — de fazendeiros a advogados e reis — tinham, naquela visão, ocupações necessárias, mas mundanas. A vida era dividida entre o ‘sagrado’ e o ‘secular’.
Lutero desejava conectar a fé com a vida diária. Todos nós, ele percebeu, somos sacerdotes reais, como diz o Apóstolo Pedro.
“Os trabalhos de monges e sacerdotes, por mais santos e difíceis que possam ser, não diferem na visão de Deus do trabalho laboral rústico ou da mulher que realiza o serviço doméstico, mas todos os trabalhos são medidos diante de Deus pela fé somente.”
Lutero acreditava que nossa fé era evidenciada por nosso trabalho diário. “O amor cresce por obras de amor”, publicou. Para ele, o trabalho é uma das melhores maneiras de se demonstrar o amor ao próximo.
E um dos meios mais belos de expressar a glória de Deus era através das artes. Lutero colocou a música como central na vida da igreja em Wittenberg. E não apenas incentivou o canto congregacional, mas também compôs hinos, como o famoso ‘Castelo Forte’.
“O que parece ser obra secular é o louvor a Deus e representa obediência que agrada a ele.”
Calvino e outros herdeiros da tradição protestante também colaboraram para a doutrina cristã da vocação. Eles entendiam que o trabalho não é apenas um meio de amor ao próximo, mas também um meio de glorificar e amar a Deus.
“Todos podem lutar pelo Senhor em seu próprio campo e com sua própria capacidade.”
Vivemos em uma era de trabalho remoto, horas extras não remuneradas, mudanças da divisão mundial do trabalho, burnout e ansiedade, entre muitas outras tendências.
Neste contexto, a doutrina da vocação pode continuar nos ajudando a relembrar os propósitos do trabalho em nossas vidas.
O cristão, seja ele chefe ou empregado, trabalhador autônomo ou CLT, pintor ou pedreiro, deve continuar sendo sal e luz no ambiente onde ele estiver. Lembrando que seu trabalho e sua empresa estão para servir a Deus e ao próximo.
“Creio que existe uma doutrina cristã do trabalho, intimamente relacionada às doutrinas da força criativa de Deus e à sua imagem no ser humano. A heresia essencial (moderna) é que o trabalho não é expressão da força criativa do homem a serviço da sociedade, mas apenas algo que ele faz para conseguir dinheiro e lazer.”
Dorothy Sayers em Credo ou Caos
O trabalhador cristão, portanto, deve trabalhar como se para o próprio Deus. Servindo a comunidade e ajudando os mais pobres através da promoção de empregos e da caridade.