Por que Tolkien e Lewis detestavam as adaptações da Disney?

J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis, dois gigantes da literatura fantástica, compartilhavam não apenas uma profunda amizade e amor pelos contos de fadas, mas também uma aversão notável às adaptações cinematográficas de Walt Disney. Esta antipatia revela um fascinante choque de visões sobre o papel e a importância da fantasia na cultura.

A insatisfação de Tolkien e Lewis com o trabalho de Disney ficou evidente após assistirem “Branca de Neve e os Sete Anões” em 1938. Lewis, em particular, foi bastante crítico, expressando seu descontentamento em uma carta a seu amigo A.K. Hamilton:

“Anões têm que ser feios, mas não daquele jeito. E a cena da festa de jazz dos anões foi bem ruim. Acho que não ocorreu àquele pobre otário dar outro tipo de música a eles.”

Esta reação não era apenas uma crítica estética, mas revelava uma profunda divergência na abordagem do material original. Para Tolkien e Lewis, a simplificação e “americanização” dos contos europeus por Disney eram uma afronta à riqueza e profundidade dessas narrativas.

Tolkien, embora menos vocal inicialmente, compartilhava deste descontentamento. Em uma carta posterior, ele chegou a descrever o trabalho de Disney como “corrompido”, afirmando que algumas cenas lhe causavam náusea. Esta reação visceral demonstra o quanto as adaptações Disney se afastavam da visão que Tolkien tinha sobre como os contos de fadas deveriam ser tratados.

Disney e a Comercialização dos Contos de Fadas

Um ponto crucial de discórdia era a abordagem comercial de Disney. Trish Lambert, estudiosa de Tolkien, sintetiza bem esta questão:

“Acho que os irritava que ele estivesse comercializando algo que eles consideravam quase sacrossanto. Aqui você tem um empreendedor americano impetuoso que teve a audácia de entrar e ganhar dinheiro com contos de fadas.”

Esta observação ilumina o conflito fundamental: enquanto Disney via os contos de fadas como material para entretenimento de massa, Tolkien e Lewis os consideravam quase sagrados, repositórios de sabedoria ancestral que deveriam ser tratados com reverência.

Para compreender a antipatia de Tolkien e Lewis em relação à Disney, é crucial entender como esses autores enxergavam os contos de fadas.

Tolkien, em seu ensaio “Sobre Contos de Fadas“, argumentava que estas histórias eram fundamentais para a compreensão da condição humana e da moralidade. Ele via nos contos de fadas uma forma de explorar temas universais e oferecer “consolo, escape e recuperação” aos leitores.

Lewis, por sua vez, acreditava que os contos de fadas poderiam transmitir verdades espirituais de maneira única e poderosa. Para ambos, essas narrativas não eram mero entretenimento infantil, mas sim repositórios de verdades profundas e mitologias complexas.

O Legado para a Fantasia

Apesar de suas diferenças com Disney, é inegável que Tolkien, Lewis e o próprio Walt Disney deixaram legados monumentais para o gênero da fantasia.

Tolkien, com obras como “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis“, estabeleceu os fundamentos da fantasia épica moderna, criando um mundo mitológico rico e complexo que continua a inspirar autores e leitores.

Lewis, através das “Crônicas de Nárnia”, trouxe a fantasia para um público mais amplo, mesclando elementos mitológicos com alegorias cristãs de uma forma acessível e cativante.

Disney, por sua vez, revolucionou a forma como as histórias fantásticas eram apresentadas visualmente, tornando os contos de fadas parte integrante da cultura pop e levando a magia para as telas de cinema de uma forma nunca antes vista.

Ironicamente, enquanto as obras de Tolkien foram adaptadas por outros estúdios, preservando de certa forma sua visão, “As Crônicas de Nárnia” de C.S. Lewis acabaram nas mãos da Disney décadas após sua morte. Esta reviravolta do destino levanta questões intrigantes sobre como os autores teriam reagido às adaptações modernas de suas obras.

Conclusão

O embate entre Tolkien, Lewis e Disney não se resume a uma simples questão de gosto pessoal. Ele reflete um profundo debate sobre o papel dos contos de fadas na sociedade, a responsabilidade dos adaptadores em relação ao material original e o delicado equilíbrio entre arte e comércio.

As críticas desses autores continuam a alimentar discussões relevantes sobre como tratamos nossas histórias mais queridas e os valores que elas transmitem através das gerações. No final, cada um deles contribuiu de maneira única e indelével para o rico tapete da fantasia que hoje conhecemos e amamos.

Deixe o seu comentário

Rolar para cima